fevereiro 27, 2012

Austeridade: a se manter solteira, será morte certa


No Público de hoje, João Carlos Espada anota o fato de, nos EUA, estar a ser lançado à opinião pública a ideia da redução de impostos

Causando a estranheza geral no contraditório face ao que sucede na Europa.

O que não refere o articulista é que as propostas centram-se na redução (ou até anulação) dos impostos sobre os rendimentos. Apenas…

A verdade é que não há nada que admirar.

Se nos dias de hoje, a austeridade é necessária nos países desenvolvidos, mais importante seria que essa austeridade fosse acompanhada por uma revisão, de alto a baixo, do sistema fiscal e do sistema de financiamento dos encargos sociais.

O problema nos países desenvolvidos é de défice. Défice que resultou da negação das democracias (por efeito – ou defeito - do sistema eleitoral) em evidenciar a necessidade de ajustar em baixa as condições de vida das suas populações, face ao crescimento dessas mesmas condições de vida - mesmo que para patamares irrisórios do ponto de vista ocidental - para gigantescas massas populacionais em países emergentes (China, India, Brasil, etc).


O trabalho deslocalizou-se para essas economias e, com ele, a produção.

A opção alternativa à austeridade – anotam muitos – seria a injeção de dinheiro. Ora, seria uma decisão errada. 

injeção de dinheiro apenas poderia resultar caso não fosse um sinal no sentido inverso ao desejado; caso a nova liquidez se fixasse garantidamente no País e dinamizasse a economia produtiva, principalmente nos sectores mais básicos (primário e indústria); caso esse novo excedente não acabasse por contribuir para o aumento da dívida através das importações, demasiado entranhadas nas economias desenvolvidas; e caso as aplicações financeiras interessantes (para onde convergem os lucros e a poupança) não estivessem, claramente, no exterior.

A austeridade poderia resultar caso os gastos excessivos resultassem de forma evidente, de compras de bens e serviços não essenciais, ao exterior; caso as economias mais desenvolvidas não estivessem fortemente tercerizadas; caso os setores primários e secundários não tivessem sido deslocalizados e canibalizados pelas importações; caso o sistema fiscal não dependesse de forma tão decisiva de impostos sobre o rendimento; caso a (falta de) liquidez não fosse um problema.

É evidente que, num mercado financeiro globalizado em que a liquidez voa para onde é mais remunerada e para onde fica mais segura, não serve de nada injectar dinheiro e sempre mais dinheiro. Essa liquidez extra desaparece num ápice. Obrigando a outra injecção logo a seguir. Numa espiral cujo fim só pode ser o descalabro. É como pretender manter um balde, com furos, sempre cheio de água, não tapando os furos mas … deitando-lhe uma e outra vez e sempre, mais água.

Assim, resta a austeridade. No sentido do ajustamento do consumo às disponibilidades reais de cada um, de cada empresa, de cada região, de cada país.

Mas sem ajustes estruturais, a austeridade por si só, será um redemoinho que não nos levará a sítio nenhum (ver caso da Grécia). Pois a cada ajuste, haverá menos economia, menos receitas fiscais, mais desemprego, mais despesas sociais. Mais défice, mais dívida e tudo regressa ao ponto de partida. Mais austeridade, mais...

Pelo que se tornarão necessárias medidas acessórias:

Erradicação total de todos os impostos que não o imposto sobre o consumo.
Eliminação do sistema de financiamento do sistema social sobre o trabalho.
Redistribuição do trabalho disponível através de uma flexibilização do tempo de trabalho e do rendimento salarial (até menos 20%) por iniciativa do empregador. Abrindo “espaço” para uma maior empregabilidade e redução de encargos sociais.


Esta será a única receita possível para aumentar a competitividade dos nossos produtos, no exterior, mas também no interior (nunca ninguém se lembra da concorrência à nossa produção) no confronto interno com os produtos importados.

A realidade é que o custo dos nossos produtos incorpora os impostos sobre o rendimento e os encargos sociais. O que não acontece com os produtos externos. Este confronto é desigual e de resultado (para nós), obviamente negativo …

A verdade é que se o sistema fiscal só actuar sobre o consumo, também esses produtos externos, quando consumidos, passam a contribuir de igual forma - e em concorrência sã com os nossos produtos - para os nossos impostos e para o financiamento do sistema social. 

Para além disso, uma quebra da economia de 1% terá impactos mais ou menos a esse nível nas receitas fiscais. Pelo contrário, um sistema coletor como o actual, baseado nos lucros (e outros rendimentos) cairá muitíssimo mais nesse enquadramento económico. Isto porque o mesmo foi desenhado para uma situação de crescimento, o que, atualmente - para os países desenvolvidos - é uma quimera sebastiânica


Não virá mais… apesar de estarem todos os nossos líderes fixados nela.

Cegos, a caminho do abismo.

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