fevereiro 16, 2012

Grécia e troika, Portugal e os outros

O exemplo da Grécia tem servido para os keynesianos (e não só) colocarem em causa o modelo da austeridade, adoptado pela troika (e por quem o negociou) na resolução da questão da dívida soberana.

Esses, vão anotando a péssima situação grega e defendem a injeção de mais recursos financeiros no sistema, ao invés da adoção do modelo da austeridade.

A troika insiste e vai criando sucessivos planos de financiamento (ajuda) baseados em mais e mais austeridade. A instabilidade política e social cresce e tudo se coloca em causa.

Todos têm razão, mas ninguém aponta a solução correta.

A verdade é que mais austeridade não trás crescimento económico. E sem crescimento económico, mantendo o modelo actual, a dívida não é suportável.

A verdade é que mais austeridade não resolve o problema do défice (o que realmente importa) pois se economia cai (ou não cresce) as receitas fiscais caiem muito mais. Porque o modelo fiscal não é apropriado para um sistema recessivo. Porque foi construído para um modelo de economia em crescimento constante (e garantido).

A verdade é que injetar dinheiro apenas adiaria o problema. Pois estaríamos simplesmente a alimentar mais um monstro que, estruturalmente, está criado para gastar sempre mais do que dispõe.

Já sabemos que as populações dos países desenvolvidos terão – todas – de se ajustar a níveis de vida mais frugais. E todas, significa mesmo todas. Incluindo alemães e americanos. E isso far-se-á em recessão. Porque, simplesmente, há centenas de milhões de chineses, indianos, brasileiros e outros a conquistar o trabalho disponível globalmente e à espera da sua vez (de aceder a uma pequena quota parte da riqueza mundial).

A verdade é que não haverá mais “mercados financeiros” disponíveis para suportar défices e refinanciamento de dívidas soberanas. Nunca mais. Nem agora, nem no futuro. E, como veremos, isso acontecerá com todos os países que, gradualmente verão os seus “ratings” cair para nunca mais se reerguerem. É uma ilusão pensar que os que agora estão fora desses “mercados” um dia voltarão aos mesmos. A realidade demonstrará que, pelo contrário, a esses países se juntarão muitos (ou todos os) outros que passarão a ser simplesmente ignorados por quem detém recursos financeiros e que os colocarão noutras paragens mais seguras e rentáveis.

Os mercados financeiros na Europa estão – para a Europa – como estiveram em Portugal na fase ilusionista de Sócrates. Aí, há cerca de um ano, nos leilões da dívida soberana portuguesa, os “mercados financeiros” – soube-se depois - eram apenas os bancos portugueses “travestidos”, a aplicarem recursos que acabavam de recolher no BCE. Hoje, passa-se exatamente o mesmo, com o BCE a emprestar centenas de milhares de milhões a 1% e os bancos europeus a comprarem dívidas soberanas. É caso para dizer que não aprendem, mesmo.

São tudo adiamentos de um problema. Que aparecerá em grande, dentro de pouco tempo.

Como já escrevi, a solução passará por:

1)Reconhecer a evidência de que vamos todos “empobrecer”. O ajuste do nível de vida em baixa faz-se em recessão.

2)Que não haverá mais crescimento económico (pelo menos antes de descermos bastante) pelo que todo o ajuste deverá ter isso em conta. E atualmente, não tem…

Assim, os países devedores terão que tomar as rédeas da situação. Unilateralmente. 

E como?

3)A dívida soberana deverá ser congelada (a cada vencimento de uma tranche de dívida, a partir desse momento, serão entregues títulos novos a 30 anos, com juros Euribor e amortização de 1% ao ano). Fundos, BCEs, troikas, FEEFs e outras ajudas internacionais passam a ser canalizadas para a defesa dos credores que não quiserem - ou não puderem - se ajustar a esta solução, e que possam originar um problema sistémico. Comprando a esses credores, esses títulos no mercado secundário (com ou sem haircuts).

4)O modelo fiscal desses países terá de ser totalmente alterado (e simplificado). Acabam-se com todos os impostos atuais, com exceção do imposto sobre o consumo. Que terá as taxas necessárias (elevadas o suficiente para compensar todos os outros impostos). A máquina fiscal, liberta da situação anterior, de gestão complexa é reorientada para a fiscalização e para a garantia de cobrança fiscal sobre o imposto único restante. Só este modelo manterá a receita fiscal equilibrada face (e proporcional) ao PIB, no cenário de queda da economia.

5)Todos os encargos sociais também se introduzem no imposto sobre o consumo. Eliminam-se todas as retenções e encargos sociais sobre as empresas. Desta forma os encargos sociais são suportados por todos (afinal todos usufruem dos benefícios) e não apenas pelos trabalhadores. Desta forma os produtos externos passam a ser taxados com fins sociais, da mesma forma que a produção nacional (antes isolada neste aspecto), eliminando-se, desta forma, uma das maiores desvantagens comerciais entre as produções internas e externas.

6)Concretiza-se uma desvalorização salarial generalizada. Na Grécia e em Portugal já feita, pelo menos, na função pública. Poderá ser associada a uma redução do tempo de trabalho, o que permitirá que as empresas se ajustem à realidade de novos níveis de procura - em baixa - que se crie mais emprego (cada um com menos trabalho) e que se evite o desemprego, a falência e a desarticulação social.

7) Com os custos laborais reduzidos (através das duas medidas atrás indicadas) poderá haver mais exportações e mais trabalho. E com menos rendimentos disponíveis haverá menos despesa e - espera-se - menos importações. Neste novo paradigma, os défices terão que ser eliminados pois não haverá quaisquer "mercados financeiros" nem "investidores internacionais" que aloquem qualquer recurso financeiro a estes países para o respectivo financiamento...

8)A liquidez cairá abruptamente (o dinheiro existente voa para outras paragens - aplicações rentáveis no exterior - e a poupança caí pela pressão da auteridade) pelo que terão de ser implementados processos de "encontro de contas" - sem dinheiro vivo interveniente - onde se incluirá o Estado, no processo de pagamento de serviços e cobrança de impostos. A fim da economia não parar.

9)O país mantém-se no Euro mas as compras ao exterior passam a ser feitas a pronto pagamento.

10)O suporte social passa a ser determinante neste ambiente de ajuste em baixa. Na garantia dos serviços sociais mínimos para ocorrer aos casos mais dramáticos. Evitando a desarticulação social e a rotura. Focalizando a disponibilização de alimentação, modelos que salvaguardem a habitação (que poderá “explodir” com incumprimentos de crédito) e na saúde, provavelmente através de novos modelos de intervenção baseado num seguro de saúde básico generalizado, a suportar pelo Estado.


11)A estas medidas juntam-se outras, de incentivo à poupança que fique - garantidamente - no país e à dinamização da economia: os títulos seguros (ler eurobonds post1, post2, post3) e os títulos comerciais.

Chegado ao ponto de ajuste, ao fim de vários anos, a vida nestes países será bem diferente, mas a perspectiva poderá ser bem mais positiva. Um arranque a partir do zero.

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